A internet é talvez a
maior das revoluções que ocorreram nos últimos anos. Em especial para nós
jornalistas, pois a distância praticamente inexiste para fazer matérias na
mesma velocidade com grupos do seu próprio município ou de países longínquos na
Indonésia ou Nepal. Mas, em contrapartida, talvez pela facilidade de conseguir
informações, temos de tomar o cuidado para que nossos textos, entrevistas e
resenhas não se tornem frios e superficiais. É fato que esse caminho não tem
volta, mas há formas de manter a chama acesa. Uma delas acabei fazendo
recentemente, que foi nesta entrevista com os cariocas do Confronto, que
estiveram em São Paulo na semana passada participando de eventos de promoção de
seu novo trabalho, o já aclamado Imortal.
Munido de gravador e
bloco de perguntas, saí do ABC, rumo ao metrô Conceição, na sede da Agência
Sobcontrole para entrevistar o quarteto. E posso dizer que embora procure
colocar paixão em todos meus textos, foi muito bacana fazer essa entrevista ao
vivo, falar com os caras, sair do roteiro. Mesmo com o barulho dos aviões
passando a todo instante com zumbidos infernais, foi uma das entrevistas mais
legais que fiz, principalmente pelo fator desafio, lembrando as transcrições do
meu TCC.
Nesta primeira parte da entrevista, Felipe Chehuan (voz), Maximiliano (guitarra), Eduardo Moratori (baixo) e Felipe Ribeiro (bateria) contam da apresentação feita no Estúdio Showlivre, a repercussão de Imortal, particularidades de determinadas músicas e muito mais.
Confiram!
Por João Messias Jr.
Fotos: Mauricio Santana
Imagem Imortal: Divulgação
Confronto Maurício Santana |
NEW HORIZONS ZINE: A banda realizou há pouco (N. do R.: esta
entrevista foi realizada na última quinta-feira) uma apresentação no Estúdio
Showlivre. O que acharam da experiência e qual a importância de eventos como
este para a divulgação da banda?
Felipe Chehuam: Acabamos
de chegar literalmente. Acho que é de extrema importância pra divulgação do
trabalho do nosso novo disco, Imortal. A gente teve essa experiência no Sul, no
Programa Radar assim que o CD saiu mesmo, no dia 5 de outubro e agora estamos
repetindo tocando mais uma vez frente às câmeras e ter a possibilidade de
através da internet divulgar nosso som pra quem está em outros lugares. Inclusive
recebemos mensagem do mundo inteiro, teve gente da Alemanha que assistiu.
Enfim, acho de extrema importância.
NHZ: A banda sempre
procurou dar uma pausa de no mínimo três anos entre um trabalho e outro. Mas do
álbum anterior, Sanctuarium para o mais recente, Imortal foram cinco anos.
Pensando de forma corporativa, isso não pode ser prejudicial no crescimento do
nome Confronto?
Eduardo Moratori: Não
porque a gente está sempre em turnê. Então fazemos sempre turnês longas e esse
intervalo do Sanctuarium foi porque saiu no meio daí um DVD, que se chama 10 Anos de Guerra.
Eduardo Moratori: Teve
a turnê do Sanctuarium, do DVD e aí lançamos o disco novo.
NHZ: Agora vamos falar
um pouquinho das canções de Imortal. A faixa-título soa como um sopro de
protesto a tantas atrocidades que ocorrem no país, na política, com o povo se
manifestando contra. Vocês se surpreenderiam ao ver esse com como carro-chefe
de algum protesto, pois ela dá o sentido do povo ter de acordar e fazer as
coisas.
Felipe Chehuan: Acho
que não porque inclusive a gente está de total apoio o tempo inteiro através dos
nossos veículos nas mídias sociais. Apoiamos a grande maioria dos processos,
pois estamos do lado do povo. Imortal assim como quase todas as letras do
Confronto, desde a sua essência lá atrás, sempre foram de incentivo mesmo, como
você falou, ao levante do povo, da massa. A gente é uma banda oriunda de um
lugar muito pobre e sempre teve exemplos de problemas perto de casa. E não foi
difícil ter esses exemplos em nossas músicas, ate porque vivemos boa parte do
que escrevemos e o que a gente não viveu, a gente presenciou. Respondendo a sua
pergunta, para nós seria até uma honra, ter a nossa música Imortal ou qualquer
outra do disco ou dos outros discos vinculada a esses protestos. Inclusive a
gente estava comentando sobre o processo dos professores lá no Rio e agora o
dos garis.
Eduardo Moratori: Tem
muita coisa errada e as pessoas não estão vendo que tem coisas a serem mudadas.
NHZ: É um lance
subliminar parece.
Felipe Chehuam: O
povo está acordando e isso é o melhor de tudo e já não se cala tanto. O povo
está nas ruas, os professores estão nas ruas, os garis estão nas ruas e os
trabalhadores lutando pelos seus direitos.
Confronto Maurício Santana |
NHZ: Aos Dragões,
apesar de visceral e extrema, ela destoa das faixas mais pesadas, pois a mesma
possui diversas linhas para cantar junto, com uma linha mais elaborada.
Conte-nos da criação dessa canção.
Eduardo Moratori: Imortal
foi um disco que a gente resgatou muito das nossas essências, influências de lá
atrás. Essa música celebra um pouco disso, pois tem muito do rock and roll, muita
coisa dos 70 e que destoa completamente de toda a história da banda. E ainda
cito outra: Meu Inferno, que tem uma cadência diferente, algo que a gente nunca
tinha explorado.
Felipe Ribeiro: Nada
mais foi que explorar novas coisas, tipos de som que a gente gosta e nunca
usamos dentro da banda.
Eduardo Moratori: Esse
disco eu digo que a gente teve a ousadia de fazer algo que a banda teve vontade
de fazer, sem nenhum tipo de rótulo ou clichê. Pegamos o que mais estávamos
ouvindo, resgatamos coisas antigas, pegamos coisas novas para o disco e que
resultou neste trabalho que está sendo tão bem elogiado.
NHZ: Fazendo um adendo,
até o trabalho de guitarra, você ouve muito do hard rock, com muitos licks,
fraseados bem elaborados. Quando ouvi eu falei “Uau”. Eu ainda não tinha ouvido
o disco, eu normalmente espero passar a exposição para poder absorver o
trabalho.
Felipe Chehuam: O
legal é que no meio daquela brutalidade sonora tem uma música que destoa, com
um baixo distorcido. Foi bem essa a ideia, ser diferente.
Felipe Ribeiro: De
certa forma chamou a atenção.
Felipe Chehuam:
Você foi a primeira pessoa que fez essa analogia do disco (N.do R.: Receber
esse tipo de elogio vale mais do que dígitos na conta).
Imortal Divulgação |
NHZ: Aproveitando o
gancho, apesar de fazerem música pesada, todas as linhas vocais são
compreensíveis. Você ouve o disco e saca a mensagem de cara, diferente das
primeiras produções dos anos 80 cantadas no nosso idioma. Qual a preocupação da
banda em passar as letras de forma clara?
Felipe Ribeiro: Exatamente
isso mesmo: a pessoa ouvir e de cara entender. Um tempo atrás as pessoas
torciam o nariz para quem fazia metal cantado em português. A gente tentou
exatamente quebrar isso aí, tipo o cara ouvir e de primeira entender o que você
está dizendo, entender o refrão da música, entender a mensagem que você quer
passar.
Maximiliano: E
ao mesmo tempo ser agressivo.
Felipe Ribeiro:
E se você pegar cada disco da banda, a gente veio trabalhando nisso e está
chegando no que a gente quer.
Felipe Chehuam: Lá
atrás, quando montamos a banda, tinha muito da nossa inexperiência também. Eu
sempre fui fã de vocalistas como Phil Anselmo, Max Cavalera e se perceber as
músicas que eles cantam, por mais agressivo que seja, você compreende e eu
trouxe muito disso para minha linha de vocal e tentei aperfeiçoar ao decorrer
desses anos. Não que eu não goste de algo mais berrado, mais extremo, gosto pra
caralho de Napalm Death e de sons mais brutais. Mas a nossa preocupação como
banda sempre foi deixar bem claro a dicção e a mensagem. Porque é legal você
ouvir um som, que seja agressivo, mas você estar entendendo e isso quebra esse
clichê de que em português não soa legal. E a gente sempre teve bons elogios em
relação a isso.
NHZ: E o disco é a
prova viva disso.
Felipe Chehuam: É
possível fazer algo fora do contexto padrão que a gente vê por aí na nossa
língua e ao mesmo tempo não deixar de ser agressivo e gostoso de ouvir.
NHZ: Ainda falando nas
linhas vocais, um dos convidados do disco, João Gordo (R.D.P.) participa em 1
Hora. Visto que ele desenvolvia uma linguagem ininteligível, que ele chamava de
“gordês”, mas nessa canção ela soa totalmente compreensível. Para chegarem a
esse resultado, houve conversas ou o que ouvimos no disco aconteceu de forma
natural?
Felipe Chehuam: Foi
natural. Eu tinha uma linha de vocal pro refrão pronta já e eu deixei ele a
vontade, falei pra ele fazer o que quiser. Concordo com o que você diz, sou
muito fã de Ratos também, mas tem discos específicos como o Feijoada Acidente
que você consegue entender bem, principalmente o Feijoada em português você
consegue entender. Eu lembro que até o nosso produtor Davi Baeta na hora da
gravação, ele pediu ao Gordo para cantar mais puxado para o “grindzinho”, que é
aquele vocal que ele faz (N.do R.: Nessa hora, Felipe emula o som da linha de
voz). E se você prestar bem atenção tem duas vozes do Gordo, só que ele deixou
bem baixinho essa voz mais grind na mixagem. Ele chegou a dar uma berrada sim,
mas ficou bem compreensível e achei legal.
Confronto Mauricio Santana |
NHZ: No meio da
pancadaria, vocês colocaram no meio do disco uma faixa inusitada, Rosaly, que é
uma espécie de folk, que sugere uma espécie de “respiro”. Por ela ser muito
diferente do disco, chegaram a pensar na possibilidade de não incluírem a
canção no disco?
Felipe Ribeiro: Nessa
música estávamos, eu principalmente, estava com a ideia de fazer uma coisa mais
acústica, pois a gente curte sons acústicos, só que nunca tínhamos pensado em
colocar num disco do Confronto, por vários motivos, porque a gente não via como
encaixar isso. Aí eu comecei a criar algumas coisas no violão e inventar
algumas ideias e uma vez passando de madrugada num bairro que se chama Vila
Rosaly, que é onde ele (Felipe) foi criado. E me veio à inspiração do riff na
cabeça e quando eu cheguei em casa peguei o violão e desenvolvi o que estava na
mente quando passei pelo bairro.
E
eu acho interessante é porque a gente sempre costuma dizer que a Baixada
Fluminense é um lugar muito efervescente, tem muita gente. São João do Meriti
foi considerada uma das maiores densidades demográficas da América Latina. E é
muita gente mesmo. Engraçado que durante a madrugada é um silêncio, com ninguém
na rua e eu peguei essa ideia do silêncio e da calma e coloquei isso dentro do
Confronto. No começo quando surgiu a ideia de fazer essa música acústica,
pensamos em colocar cordas, fazer coisas com violinos, chegamos a ensaiar com o
pessoal a Orquestra de Petrópolis. Só que devido a problemas de agenda, não
conseguimos colocar isso em prática. Mas ainda assim conseguimos colocar uns
tambores, um chocalho venezuelano. E foi isso, porque ouvimos muita coisa fora
do som pesado e extremo. Acabamos trazendo isso e ficou com uma vibe meio Black
Sabbath de juntar os amigos ali, tocar o violão e dar essa calma no meio de um
disco que é muito pesado e agressivo.
Na próxima segunda-feira, a segunda e última parte da entrevista, em que o quarteto fala de shows, a escolha do selo Urubuz Records, venda de material físico e muito mais!
Um comentário:
Muito bacana essa primeira parte da entrevista!
É bom saber das curiosidades com relação ao processo criativo da banda, especialmente com relação à música Rosaly, que eu não conheço, mas deu vontade de ouvir só para perceber o que foi dito sobre ela!
Bjão!!!
Elaine Thrash
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