Com mais de 20 anos de estrada, o trio gaúcho Carniça é uma das bandas
mais influentes do thrash nacional. Tendo base a sujeira e a agressividade,
lançaram em 2012 seu melhor trabalho até o momento, chamado Nations of Few, que
é dono de músicas empolgantes como Diablo Politician e a faixa título. Outros
atrativos são uma versão “carnicenta” para I Wanna Be Somebody (WASP) e a
participação do guitarrista Cláudio David (Overdose) em Prayers Before the
Death.
Nesta entrevista, a banda, formada atualmente por Mauriano Lustosa (voz
e baixo), Parahim Neto (guitarra) e Marlo Lustosa (bateria) nos conta da
repercussão do disco, da participação do músico do Overdose e muito mais.
Confiram:
Por João Messias Jr.
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Nations of Few Divulgação |
Carniça: Achamos que o disco segue na mesma linha do “Temple’s”,
porém está mais direto e agressivo. É muito fácil falar de agressividade em
discos de heavy metal, pois toda a banda diz sempre isso, mas quem conhece
nosso trabalho anterior e escuta esse sente o que estamos dizendo. O disco
também foi feito com mais calma, logo teve uma produção mais caprichada,
aproveitando mais o fator estúdio, compondo o material e gravando, podendo
assim sentir melhor as composições.
NHZ: A atual formação está junta há um bom tempo. Visto que não é uma
tarefa fácil, pois sempre haverá divergências, como administram a saúde da
banda e a amizade?
Carniça: Isso é o mais fácil! Somos parentes, irmão e primos, logo
o lance é em família mesmo. As divergências são poucas, acontecem, mas são
mínimas perto de algumas bandas, pois prezamos pelo respeito a cada um dos
integrantes e suas particularidades. É como um casamento de 22 anos em que o
casal se ama. Existem briguinhas, mas no final é puro entendimento. Já nos
casamos, separamos, trocamos de namoradas, mas a formação continua sólida.
NHZ: Assim como no álbum anterior, vocês continuaram com o sarcasmo. Em
“Temples...” a “inspiração” era a Santa Ceia, agora é uma espécie de
conferência, com algumas personalidades importantes do mundo, decidindo o
futuro da nação. Como surgiu a inspiração dessa capa?
Carniça: Veio ao encontro das Nações de Poucos. Líderes que pensam
e agem em prol deles mesmos e de uma minoria aos seus redores. E isso acontece
em todo planeta, não só no Brasil. Logo, o que tinha de ser uma coisa séria, em
prol da humanidade, torna-se uma festa, uma confraternização de tiranos em
favor de seus grupinhos. Essa foi a concepção da banda para a capa, que teve
mais uma vez a execução de Anderson Neves.
Carniça: O maior problema que tivemos até agora foi com o uso dos
discursos do Lula e do Collor na eleição de 1989 na música Diablo Politician. A
empresa que prensa os discos em Manaus queria uma autorização dos políticos
citados por escrito, o que óbvio não rolou nem nunca rolaria. Usamos assim
mesmo mediante termo de compromisso e foda-se, pois qualquer um que acessa o
youtube tem acesso aos discursos verborrágicos e mentirosos desses vagabundos.
NHZ: No álbum anterior vocês regravaram Hell Awaits (Slayer), para esse
disco, uma versão thrash para I Wanna Be Somebody (WASP). De quem foi a ideia
de fazer uma versão para essa canção?
Carniça: A ideia acho que foi do Parahim (guitarra) e do Marlo
(bateria), mas foi consenso de toda banda que, assim como Hell Awaits se
encaixava em Temple’s Fall, I Wanna Be Somebody seria o cover perfeito pra
Nations of Few. É uma música genuinamente heavy metal e sua letra fala de um
sujeito que quer ser alguém logo na vida (típico da politicagem brasileira).
Colocamos nossa roupagem nela e acho que o resultado foi massa.
NHZ: Ao término da canção, há um silêncio e alguns minutos depois uma
espécie de interlúdio instrumental, chamado Nowhere, que nos remetem aos grupos
da Bay Área, em
especial Testament e Forbidden. Qual a influência desses
grupos no som da banda?
Carniça: Também achamos que ficou muito parecido com Testament. Comentamos
isso com o Parahim após a produção deste bônus. Em Temple’s Fall há uma outra
composição do estilo, chamada Paradise. Olha, apesar de curtirmos, estas bandas
não são bem as maiores influências da Carniça. Hoje existem muitas bandas de
muita qualidade que foram para esse lado Thrash 80’s. Seria legal que eles
absorvessem o espírito e criassem coisas novas, com identidade própria. Mas o
que se vê é muito clone do Death Angel, Whiplash, Nuclear Assault, Artillery e
Bay Area bands. Uma lástima, pois o processo criativo no Metal está morrendo.
Quando essas bandas jurássicas e inovadoras que criaram o estilo acabarem, o
rock pesado terá que ressuscitar, pois sem criatividade o estilo vai
enfraquecer muito. Não são todas as novas bandas, lógico! Mas o processo
evolutivo tem de acontecer.
NHZ: Vocês sabem se o mentor do WASP, Blackie Lawless chegou a ouvir a
música?
Carniça: Seria legal se acontecesse. Quando gravamos o material,
consegui licença com o escritório que gerencia a carreira do WASP, mas não sei
se o material chegou a ser repassado ao próprio Lawless. Quando o CD ficou
pronto agora em dezembro, enviei um exemplar para os EUA. Seria muito bom uma
análise de quem fez a música, né?
NHZ: Nations of Few conta com a distribuição da Voice Music. O que
estão achando da parceria e qual a importância de se ter um selo hoje em dia?
Carniça: A Voice Music é uma das principais distribuidoras de som
pesado do Brasil, senão a maior. Ajuda muito, pois o CD está junto a grandes
nomes do cast, logo o lojista tem maior acesso ao nosso trabalho. É um tipo de
parceria em que todos ganham. A banda chega em lugares onde não chegaria, a
distribuidora têm mais nomes no cast para negociar e o público acaba achando
mais facilmente nosso material.
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Temple's Fall Divulgação |
Carniça: Foi um fato único e memorável para a banda. Somos fãs do
Claudio e do Ovedose há anos! A ideia veio do Mauriano, de ter uma participação
fodástica no álbum. O Marlo (bateria) entrou em contato com o Claudio pelo
Facebook e começamos o “namoro”. O cara é incrivelmente gente fina e curtiu a
banda, a energia dos sons. Ele é um puta produtor e gravou a parte dele em BH. Juntamos aqui no
nosso estúdio em Novo
Hamburgo e a parceria foi selada. Foi um orgulho imenso ter
ele imortalizado num disco do Carniça!
NHZ: A participação do músico não ficou restrita ao disco, pois o
guitarrista participou de algumas apresentações aí no Sul. Qual a sensação de
ter um cara que foi um dos pioneiros do estilo no Brasil participando de um
show com vocês?
Carniça: Meu, sem palavras. Todo o processo foi muito bom, desde
pegar o cara no aeroporto, apresentar ele à um verdadeiro churrasco gaúcho,
tomar umas biras juntos até a madrugada e ouvir verdadeiras pérolas da história
do metal brasileiro, que praticamente surgiu em BH. Overdose e
Sepultura foram os expoentes, então não precisa dizer mais nada, né? Tudo foi
proveitoso! Fora de ter divido o palco em três músicas, pois além da Prayers
Before The Death, tocamos “Anjos do Apocalipse” e “A Ultima Estrela” do
Overdose. Inesquecível!
NHZ: Diablo Politician possui trechos em português e se adequou bem ao
som de vocês. Como surgiu a inclusão destes trechos e se podemos ter mais
músicas em português no futuro?
Carniça: Quando o Mauriano estava produzindo o disco, sentiu falta
de deixar o recado mais claro, mais direto pra galera. Ter uma identidade com a
corrupção brasileira, estas quadrilhas que usurpam a nação. Tinha estes trechos
na mente e queria um refrão forte, tipo espanhol, que brazuca entendesse.
Encaixamos os trechos das entrevistas da campanha à primeira eleição direta
brasileira na parada do baixo e todos curtimos. Não é à toa que o encarte traz
letras em português também.
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Carniça Divulgação |
Carniça: É foda. Antigamente tínhamos muito efeito pirotécnico em
nossos shows, muito mesmo, e mesmo sempre tendo cuidado o fato de Santa Maria
nos fez refletir bastante. Mas como tu falaste, trata-se de uma tragédia,
infelizmente com precedentes e muitos culpados. Na verdade, a ganância em
arrecadar e reinvestir pouco já era percebida, até mesmo no tratamento às
bandas. Na cena, agora teremos um tempo de adequação e mais rigor às leis.
Pensamos que tudo que melhore a segurança das pessoas é válido, mesmo que se
cerrem momentaneamente alguns lugares. Também pode ser que as casas venham a
ter mais respeito pelo show business todo, estendendo melhor tratamento às
bandas.
NHZ: Agradeço pela entrevista! Deixem um recado aos leitores desta
publicação.
Carniça: Agradecemos imensamente o espaço valioso oferecido à nós e
sempre quando possível comprem material das bandas do underground nacional,
apóiem os shows e curtam suas vidas sem pensar que governos irão ajudá-los,
pois eles querem somente o “emburrecimento” da população. Povo-gado
é mais fácil de governar. Nós queremos o contrário, queremos que os bangers
reflitam cada vez mais sobre os assuntos do nosso interesse enquanto
brasileiros. Temos que sair da letargia e as armas do nosso protesto é nosso
som, nossa inteligência. Isso é mais uma coisa que torna o metal um estilo
único e incomparável! HEAVY METAL NEVER DIE!
Um comentário:
Valeu Carniça!
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