Discos solo de guitarristas (em especial os instrumentais) são em grande parte um emaranhado de técnica e malabarismos desnecessários, que em muito, só consegue arrancar aquele tipo de coisa:"Ah, esse cara toca pra caramba, mas não sabe compor. O que não acontece quando ouvimos "Across the Universe", novo trabalho do guitarrista Wagner Gracciano.
Unindo virtuose e melodia, o disco é uma espécie de resposta aos malabarismos que ouvimos por ai. Nesta entrevista ao New Horizons Zine, o músico nos conta da repercussão do CD, projetos, outros guitarristas e muito mais!
Por João Messias Jr.
Across the Universe Divulgação |
NEW HORIZONS ZINE: Wagner, você lançou em 2013 o
seu primeiro álbum “Across the Universe”. Passados dois anos do lançamento, o
que está achando da repercussão do mesmo perante público e mídia.
Wagner Gracciano: Os tipos
de música menos favorecidos pela mídia popular não tem espaço no Brasil e tem caído muito, por incrível que pareça. A
música instrumental autoral tem perdido força frente aos vídeos de 1 minuto com
improvisação, guitarristas tem feito carreira sem ter feito um disco na vida. Dentro
desse quadro a receptividade do público ao álbum foi muito positiva dentre as
pessoas que curtem a música instrumental, e morna no público que curte
improvisação. Mas é compreensível, pois nos tempos modernos onde temos que
dividir espaço com milhares de vídeos e músicas de todos os tipos pouca gente
tem tempo para escutar uma música com mais de 4 minutos. Fora do Brasil o
cenário é bem diferente, existe uma cultura que consume e prestigia esse tipo
de música, o que foi muito bom para o meu trabalho, onde consegui muito mais
atenção pelo público internacional. Para você ter uma ideia, de todas as vendas
do disco 92% delas foram nos EUA, Europa e Ásia, apenas 8% foram no Brasil.
NHZ: O trabalho é dedicado a música instrumental,
que prima pela variedade de estilos. Nele podemos encontrar desde momentos mais
“guitarrísticos” como “Journey Into the Unknown” até coros do gospel
tradicional como “As a Prayer”. Como encaixar vertentes distintas e mesmo assim
manter a unidade do disco?
Wagner: Eu sempre fui
assustadoramente eclético (risos). O trabalho é só um reflexo do que escuto
diariamente, não conseguiria seguir um estilo apenas, Rock Progressivo é o mais
perto que consigo classificar, pois teoricamente é o estilo que recebe mais
influencias diferentes. Uma coisa que aprendi com a música erudita é ter um ou
dois temas principais e tentar ligar todas as peças através deles, é
basicamente isso que tentei fazer, criar uma história e conectar cada momento
atrás do mesmo tema.
NHZ: “Across the Universe” foi produzido por você,
mas a masterização do trabalho foi feita por Adair Daufenbach, o que deixou o
álbum com um som jovial e marcante. O que o motivou a contar com este
profissional tão conhecido em outros estilos como o metalcore?
Wagner: Sempre percebi
que muitos trabalhos instrumentais não primavam pelas produções e sonoridade,
sempre muito focados na parte de execução e solos, o que é natural, claro que
os clássicos do estilo fizeram história. Quando ouvi o som do Adair gostei
demais da timbragem e o cuidado com a sonoridade, imaginei que essa mistura ia
fazer o trabalho ganhar outra vida, e não deu outra. Adair tem um ecletismo e
um interesse em explorar o novo que casam perfeitamente com o som que eu faço,
inclusive outros trabalhos que produzi faço questão de ter sua sonoridade em
estilos totalmente fora do contexto rock. Tornou-se um amigo e com certeza essa
parceria vai continuar nos próximos trabalhos.
Wagner Gracciano Divulgação |
NHZ: Falando no gospel, você é cristão e não esconde sua
fé, pois no encarte do álbum colocou todas as referências bíblicas que o levou
a escrever as canções. Você já enfrentou algum tipo de preconceito por isso?
Wagner: Muitos, sofro
diariamente. Adotei uma linha de trabalho honesta, mas muito perigosa quase
suicida (risos). Não me considero parte do mercado gospel por questões de
ideologia e orientação, pois trato música como forma de arte e vivo dela. Acho
esse rótulo muito limitador, pois se formos colocar em cada ideologia musical
um estilo diferente de música vamos ter Motoqueiro Metal, Cara que leva Chifre
Metal, Cara que quer comer mulher Metal, Cara que acredita em Caverna do Dragão
Metal, Cara que é contra o governo Metal (risos), enfim, sou cristão e não sou
obrigado e rotular minha arte por isso, nem para o meio cristão nem para fora
da igreja. Fora do meio cristão, muita gente já deixou de conhecer meu trabalho
por isso. A galera acha que no meio do meu disco vai começar “Entra na minha
casa, entra na minha vida...”(N.do R.: Música do cantor gospel Régis Danese).Mas
não, é música instrumental apenas. O fato é que sou cristão e isso faz parte da
minha vida, seria uma tremenda hipocrisia e covardia esconder isso na minha
arte pois ela faz parte de quem eu sou. Não quero ser rotulado por isso, pois
quero levar a música para todos os lugares possíveis. Não sou músico gospel,
meu som não é só para igreja, mas não escondo quem eu sou. Faço música e vivo
dela, deixo espaço para cada um interpretá-la como quiser.
NHZ: Para viabilizar o álbum, você foi atrás da Lei
Estadual de Incentivo à Cultura do seu estado. Podemos dizer que é uma vitória,
visto que este tipo de benefício é concedido em sua maioria a artistas de
estilos de maior alcance popular. Conte como foram as negociações e qual a
satisfação pessoal de soltar um disco de rock com um apoio cultural?
Wagner: Os editais estão
abertos em todos os Estados, prefeituras e tem a lei federal também. Às vezes
faltam projetos para serem avaliados, pois nós, os músicos, não ficamos atentos
e deixamos a oportunidade passar. As leis foram feitas para artistas como nós
que não tem condições de fazer trabalhos de qualidade do próprio bolso, então
temos que correr atrás e fazer parte delas. Nos editais tem todas as
informações de como fazer um projeto, está ao alcance de qualquer um. Uma coisa
importante, não só para as leis, mas para a carreira de músico como um todo é
sempre ter um currículo atualizado, com todos os folders, cartazes de eventos
que participou, é um mercado competitivo e precisamos nos posicionar o tempo
todo.
Wagner Gracciano Divulgação |
NHZ: Essa conquista sua me fez refletir em uma
questão. Hoje as pessoas preferem criticar o mundo da música em geral por ser
um processo caro de se gravar um disco, o que é verdade. Mas a maioria delas
não se preocupa em buscar alternativas como editais de cultura e formas
alternativas como o crowdfunding. O que pensa sobre isso?
Wagner: É exatamente
isso. Em geral o músico se prepara para tocar, dar aulas e pronto, tem
dificuldades de falar em público de expor ideias com clareza, ter uma posição
dentro da sua arte. Se as pessoas lessem mais e comentassem menos na internet o
mundo seria bem melhor. Muita gente comenta sobre as leis sem ter o mínimo
conhecimento sobre o assunto, na verdade, grande parte dos comentários sobre
qualquer assunto na internet é sem ter o menor conhecimento. Nós somos
artistas, nossa missão é levar arte e cultura ao povo, a música é um bem da
humanidade, vamos nos valer disso para buscar alternativas e saber se
posicionar no mercado.
Além da música em si, o que chama a atenção é o
fato de ser um músico atuante no seu estado, em Goiás. Você ao lado de outros
músicos, criou o Gyn 3. Conte mais deste projeto e qual a repercussão dele no
estado e se pensa em levá-lo para outros estados, como São Paulo.
Wagner: Música é uma
profissão muito difícil por si só, então precisamos nos movimentar o tempo
todo. Se não tem espaço na cidade, invente, junte um grupo de amigos e faça
barulho, descubra lugares para fazer apresentações e seja generoso. Uma coisa
que fico triste de ver no mercado, e uma coisa que creio estar matando a música
instrumental, é que o artista está unicamente interessado em se promover, e muitas
vezes fazer com que as outras pessoas ignorem seus colegas, como se o fato do
outro não ser visto vai garantir algum sucesso a mais. O Gyn3 foi uma ideia
justamente do contrário. Se eu quero ter espaço para tocar preciso dar espaço
para os outros. Criamos o evento para que guitarristas consagrados, músicos de
forma geral e novos talentos através do concurso possam ter um espaço para
mostrar seu trabalho. Isso criou uma cena na cidade que movimentou várias
pessoas, onde colocamos em prática a ideia que coloquei no parágrafo acima: se
aqui estava sem lugar para tocar, vamos criar espaço para todo mundo e
automaticamente estarei criando um espaço para mim também. Devemos ser críticos
ferrenhos do mundo ao nosso redor, mas mesmo sabendo das adversidades, inclusive
da nossa profissão, devemos tirar a bunda da cadeira e fazer a coisa acontecer.
A galera fica reclamando que não tem lugar pra tocar, mas quer criar um espaço
para ele tocar sozinho achando que ele vai fazer mais sucesso por isso. Fazer
um movimento musical é mais efetivo que ficar fazendo show pra meia dúzia de
alunos (porque os colegas músicos não vão). Isso é uma coisa muito bacana aqui
em Goiânia, todo mundo vai ao evento de todo mundo e no final sai pra tomar uma
(risos). Seria maravilhoso conseguirmos levar essa ideia para outras regiões do
Brasil, vamos trabalhar quem sabe da certo.
NHZ: Você já fez promo-tours aqui na capital
paulista. Qual a importância deste tipo de trabalho na divulgação de sua
música?
Wagner: Sempre bom poder
falar do trabalho, expor as ideias musicais para as pessoas terem uma visão
melhor da sua arte. O músico é um comunicador, e quem não pensa assim perde
grandes oportunidades. Foi muito bacana estar em São Paulo e também nas outras
regiões falar de música, composição, guitarra, enfim, falar do nosso universo é
uma das grandes recompensas da minha profissão.
Wagner Gracciano Divulgação |
Ainda falando na terra do Túlio Maravilha, outro
guitarrista de destaque em seu estado é Walsuan Mitterran. Queria saber se
conhece o trabalho do músico e caso positivo qual sua opinião.
Wagner: Grande músico.
Goiânia tem grandes artistas, mas não sei o que acontece que tem pouco espaço
fora daqui. Aqui dentro conseguem lotar eventos, ter seguidores, e fora do país
também, mas no resto do Brasil não sei o que rola. Aqui a faculdade de música
da UFG tem grandes nomes da música que viajam o mundo inteiro, como Fabiano
Chagas, Diones Correntino, Eduardo Meirinhos, Pedro Martelli, mestro Jarbas
Cavendish, Emanuel Gomes (que arranjou as cordas do meu disco) músicos
incríveis como Bruno Rejan, Guilherme Santana, Roberto Milazzo e muitos outros
que são de nível internacional. Aqui estou mais envolvido no meio da galera
fusion e jazz que na galera roqueira mesmo, apesar de sempre abusar de drive
nos shows (risos). Mas vejo as pessoas aqui mais preocupadas com o ao vivo e no
contato direto que apenas na internet, ai acaba fazendo a ponte daqui direto
pra fora, sem passar por Rio-São Paulo.
NHZ: Visto que estamos em 2015, podemos esperar um
álbum de inéditas para este ano?
Wagner: O novo disco já
está praticamente arranjado e já no processo de gravação. Desta vez vai ter
algumas músicas cantadas, vou apostar numa nova estética. Está sendo feito em
cima de uma nova história, mais crítica e contextualizada, um clima mais tenso.
Além dos músicos que sempre estão comigo, vou contar com algumas participações.
Por isso resolvi esperar para fazer o DVD dos dois primeiros discos com um
material mais rico e histórias novas para contar. Fora que esse ano a agenda da
workshops, shows e master classes estão bem bacanas.
Wagner Gracciano Divulgação |
NHZ: Muito obrigado pela entrevista. Deixe uma
mensagem aos leitores do New Horizons Zine.
Wagner: Muito obrigado
ao New Horizons Zine pelo espaço, sempre muito bom falar com a galera. Uma
coisa que sempre deixo é que temos que sair do quarto. O contato humano, a
imprevisibilidade e a emoção de um show ao vivo foi o que fizeram a música algo
tão mágico, e estamos trocando grandes mentes artísticas por vídeos de 1
minuto. Vamos apreciar a arte, deixar de ser guitarristas e nos transformarmos em
músicos.
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